Que tal escrever uma carta?

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Quando foi a última vez que você escreveu uma carta? E há quanto tempo não sente a emoção de atender o carteiro no portão?

Muitos, mesmo que de forma tímida e até vergonhosa, vão dizer que não se lembram. Certo. A gente entende. A modernidade persevera em nos fazer crer que a conexão mediada por um computador ou smartphone substitui a necessidade de nos comunicarmos via papel e caneta. Mas isso não é uma verdade!

Se hoje a gente conseguir relembrar o sabor da expectativa, da esperança, da boa-nova, ainda seria possível perceber os pequenos prazeres e os grandes benefícios proporcionados pelo hábito da escrita. “Com a mediação tecnológica, sempre temos interferências diretas no nosso processo de escrita, seja no e-mail, em que aparece paralelamente a opção de chat no rodapé, no Instagram, com as stories emergindo como outras distrações, e assim por diante. Sempre percebemos outras tantas informações em tela enquanto redigimos uma mensagem. Já a carta, entendida como um recurso analógico, tem uma característica fundamental no nosso processo de comunicação. Ela não permite a possibilidade de acessarmos outras conversas, não consente que percamos energia com outras abstrações e nos chama para o instante presente. Isso é uma excelente forma de concentração e um bom exercício de foco em um mundo digital que nos distrai a todo instante”, explica Gabriel Matos, diretor da Escola INTEGRA.

As cartas, para além da função comunicacional, informacional e de registro, carregam a afetividade da memória. Elas podem ser lidas e relidas reconstruindo a experiência de momentos, lugares e pessoas. Tente se lembrar: o afeto era expresso em cada linha: na caligrafia do remetente, no estilo do texto, na riqueza dos detalhes ao descrever um acontecimento, um novo romance, o nascimento de um membro da família e por aí vai… Tudo isso culminava no carinho final: a assinatura. Era um capricho só!

O retorno das cartas em tempo de pandemia

Com o confinamento, sentimos a vontade de voltar às atividades intrinsecamente humanas, manuais. O retorno da escrita e da troca de cartas pode significar uma urgente necessidade de afeto entre os indivíduos, o que é muito positivo.

Para a psicóloga Elismara Talmas, a escrita é um processo simbólico e possibilita ao homem expandir sua mensagem para além do tempo e do espaço. “Ela dá oportunidade de derrubar dois grandes obstáculos, que são justamente o tempo e o espaço. Esse é o valor terapêutica do exercício, pois colocamos no papel aquilo que nos aterroriza, que nos faz sofrer e ainda o que nos alivia”, salienta. Segundo Elismara, o resgate de escrever cartas neste momento de quarentena oportuniza o enfrentamento da situação e a busca de equilíbrio físico e mental. “Lembrando sempre que isolamento não significa distanciamento e, nesse aspecto, a carta é uma solução belíssima de aproximação”, finaliza.

Escrever para si e para o outro

Escrever uma carta para mim mesmo? Sim. Isso é tão poderoso quanto você imagina. Sabe por quê? Geralmente, negligenciamos aquela voz interior que diariamente nos toma, mas damos ouvidos a terceiros. “Muitas das respostas que buscamos estão dentro da gente. Quando escrevemos para nós mesmos, colocando nossa voz em terceira pessoa, é como se estivéssemos ouvindo alguém externo. A partir disso, entendemos com mais clareza a situação e agimos”, explica Bárbara Leão, treinadora de Programação Neurolinguística.

O exercício de enviar uma carta para o outro também é efetivo, potencializado pelo momento de isolamento social. “Muitos sonhos foram protelados, precisaram ser guardados na gaveta. Para evitar a angústia, por que não aproveitar o momento para lembrar de quem amamos e ainda temos por perto?”, incita a treinadora.

Projeto Inumeráveis é um bom exemplo de como a escrita é capaz de aliviar tensões e minimizar o sofrimento, principalmente de quem perdeu algum ente querido. O memorial é dedicado à história dos mortos por covid-19 no Brasil, por meio do qual parentes e amigos respondem a um questionário sobre a vítima. As mensagens são direcionadas para uma rede de jornalistas voluntários que redigem um texto tributo e disponibilizam no memorial digital. “É uma iniciativa dolorosa, mas em certa medida traz algum alívio para quem escreve. Mas, o que isso nos traz de ensinamento é que o ideal é provar a relevância de quem amamos enquanto ainda temos essa chance. E as cartas, neste sentido, ressurgem como um fortalecimento de relação, conosco e daqueles que nos cercam”, completa Bárbara Leão.

Portanto, segue uma dica preciosa! Dedique um tempo para colocar no papel aquela mensagem que há tempos poderia ter sido dita, rememore o hábito de escrever para quem está longe (ou perto, mas fisicamente isolado). A gente sabe que é difícil, mas não custa tentar. Que tal agora?